Transcrição do artigo escrito por Alcimar Antonio de Souza, apesar de descorda de alguns pontos de sua fala, o texto merece transcrição.
Alcimar Antônio de Souza
Faz
algum tempo que li num blog postado a partir de Patu, precisamente numa
semana em que o preconceito contra nordestinos havia se espalhado na
internet, uma postagem intitulada “Matemática de mendigo”, em que o
autor do artigo fazia uma comparação entre a vida de um pedinte e a de
um estagiário.
Segundo
o texto, o mendigo ganha em torno de dez centavos a cada troca de sinal
de um semáforo, o que acontece, em média, a cada trinta segundos.
Feitos
os cálculos, o texto conclui que o mendicante pode ganhar até R$
1.200,00 (mil e duzentos reais) por mês, assim considerada uma jornada
de trabalho (leia-se, de mendicância) de oito horas por dia, num total
de vinte e cinco dias por mês, em média.
O
texto “Matemática de mendigo” ainda retrata um suposto depoimento de
uma suposta pedinte, em que ela diz auferir, por mês, R$ 937,50
(novecentos e trinta e sete reais e cinquenta centavos) pedindo em menos
de oito horas por dia.
O
texto arremata: “Moral da história: É melhor ser mendigo do que
estagiário”, acrescentando: “Estude a vida toda e peça esmolas; é mais
fácil e melhor que arrumar emprego”.
O
artigo ainda conclui: “Você pode acabar sendo governado por alguém que
não estudou, não trabalhou, não sabe o próprio nome...”.
Passei
um tempo enorme pensando se diria algo a respeito, ou não. Nesses dias,
andando por Mossoró, com a festa do Natal se avizinhando, vi mendigos
jogados numa rua, tais e quais animais irracionais entregues à própria
sorte.
No
noticiário da televisão, também desses dias recentes, vi assassinatos
covardes de moradores de rua, e reprises e mais reprises de extermínios
ocorridos no Brasil no ano de 2011, tendo como vítimas vários moradores
de rua.
Como
sou de sensibilidade à flor da pele, pensei, após muito relutar, em
estabelecer um contraponto àquela postagem “Matemática de mendigo”. Não
vou, porém, ater-me a números, pois sempre fui péssimo em Matemática,
além de achar estranho que em meio a uma realidade social tão complexa
seja tão fácil encontrar-se o valor tão exato de um “rendimento mensal”
de um pedinte, como fez aquele texto.
Pois
bem, ao contrário do que está no texto “Matemática de mendigo”, a
mendicância está longe de ser uma atividade melhor que a de um estágio
remunerado.
Até
pouco tempo, os mendigos poderiam até mesmo ser presos, pois a
mendicância era definida como contravenção penal (pequeno crime ou
“crime anão”) pelo artigo 60 do Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de
1941 (Lei das Contravenções Penais). Apenas com o advento da Lei nº
11.983, de 16 de julho de 2009, que revogou aquele artigo 60 da Lei das
Contravenções Penais, foi que a mendicância deixou de ser definida como
crime, para ser vista apenas como um problema social.
A
Lei nº 11.983/2009, que aboliu do mundo jurídico pátrio o crime de
mendicância, foi sancionada justamente pelo então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, que saiu do sertão de Pernambuco para trabalhar como
metalúrgico em São Paulo,
onde se tornou líder sindical, para daí ser deputado federal
constituinte aprovado com nota 10 pelo Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e depois ser eleito pelo
povo brasileiro para o posto máximo de Presidente da República.
Por
outro lado, um esmoleiro pode até ganhar mensalmente aquele valor tão
exato indicado no artigo-postagem “Matemática de mendigo”. No entanto,
ele jamais terá respeitada a sua dignidade humana, pois a sociedade,
imbuída dos propósitos consumistas e capitalistas, enxergando sempre
valores materiais ao invés de valores humanos, sempre o verá como coisa,
expurgo desprezível, e jamais como cidadão.
Para
a sociedade materialista, um mendigo será sempre um lixo social, jamais
um cidadão merecedor de respeito e qualquer solidariedade. Se lhe paga
dez centavos a cada mudança de sinal num semáforo qualquer, não o faz
por solidariedade humana, mas unicamente por um juízo de valor, que vê
naquele pedinte um criminoso em potencial, e então o chamado homem
social normal prefere agradá-lo, para não enfurecê-lo. Aliás, se todos
os mendigos liberassem a fera humana que existe dentro de cada pessoa,
os índices de violência seriam mais assustadores ainda.
Olhando
ao mesmo tempo para um mendigo e para um estagiário, a sociedade logo
cuidará de voltar as suas atenções para o estagiário, pois este, segundo
avaliação social previsível, é alguém que tem uma expectativa de vida
imensamente melhor que a do mendigo, que não tem expectativa nenhuma.
Para
o corpo social, o estagiário no futuro será um grande profissional de
determinada área da atividade humana, e com isso ganhará muito dinheiro.
Já o mendigo, não passará dessa situação, e tende a se tornar ainda
mais desprezível pela mesma sociedade que criou as condições de lhe
excluir.
O
estagiário tem uma carreira profissional a seguir; o pedinte, não! O
estagiário trabalha num local seguro, confortável, de bom relacionamento
social, e ao final do dia voltará para uma casa regular, com um mínimo
de conforto. Já o mendigo, para “trabalhar”, enfrentará o sol escaldante
ou a chuva impiedosa, e ao final do dia voltará para o lugar de onde
nunca saiu: a rua.
As
estatísticas não apontam assassinatos de estagiários por grupos de
extermínio, graças a Deus. Mas estão repletas de mortes violentas de
mendigos.
Vendo
aquele texto, fiquei a me questionar sobre a área de atuação daquele
estagiário. Pela precisão dos cálculos, certamente seria um estagiário
de Matemática, pois dificilmente aqueles conceitos conservadores
emanariam de um estagiário de Filosofia, História, Serviço Social ou
Ciências Sociais, pois um destes teria visão diferenciada, menos fria e
menos calculista, sobre uma realidade social tão profunda, como é a que
envolve a pobreza, a mendicância, a violência das ruas...
Sinceramente,
não é possível avaliar o ser humano por números imaginados com tanta
precisão. Estudar o homem e o seu meio a partir de uma das quatro
operações da Matemática não parece ser o mais exato, muito embora os
números das estatísticas digam muito sobre a vida de um povo.
O
texto “Matemática de mendigo” fez-me lembrar o protesto inteligente de
Ivanildo Vila Nova e Bráulio Tavares no poema “Imagine o Brasil ser
dividido / e o Nordeste ficar independente”, que ficou nacionalmente
conhecido a partir da musicalidade que lhe foi dada por Elba Ramalho,
nordestina que também enfrentou o preconceito mas conseguiu vencer na
música justamente na região Sudeste do País, que tanto despreza o povo
nordestino.
E,
lembrando dos versos de Ivanildo e Bráulio, fiquei a pensar que aquele
estagiário descrito no texto, se um dia resolver ingressar na atividade
político-partidária, certamente engrossará as fileiras dos políticos
conservadores de ultra-direita, que não vêem todos como pessoas, nem
como gente.
Irá
aquele estagiário compor a elite brasileira que não se conformou até
hoje de ver chegar à Presidência da República um nordestino simples, que
tem a cara e a voz do povo, e que justamente por isso implementou uma
verdadeira revolução na distribuição da renda nacional, dando aos mais
humildes uma considerável fatia daquele bolo econômico que por mais de
quinhentos anos foi servido apenas aos de maior poder aquisitivo.
Aquele
estagiário também deve ter se retorcido todo, de raiva, de ver que um
nordestino-presidente, que anda longe de ser analfabeto, deixou o
governo com a maior aprovação popular já obtida por um chefe de governo
brasileiro.
Para
aquele estagiário, protagonista do texto “Matemática de mendigo”,
sugiro que, neste Natal, ao passar pelas ruas, veja com o coração e não
com os olhos que enxergam cifrões, os seres humanos que, por razões
diversas de um sistema excluidor, foram mandados para a via pública.
A
Matemática deve ser utilizada para o aperfeiçoamento do conhecimento
humano e nos grandes projetos que objetivem melhorar a vida do povo.
Quem a criou, nos tempos da Grécia Antiga, certamente não teve em mente
que ela serviria para uma injusta, incorreta e excluidora avaliação do
ser humano.
Feliz Natal a todos, inclusive aos mendigos!
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