A classe média no Brasil sofre. Ou diz que sofre. Ou sofre alguma coisa mesmo, mas diz que sofre muito mais. O fato é que se percebe como sofredora-mor e reage buscando proteger os interesses de sua classe da maneira como pode, independentemente de preocupações com que lado ou a que está se aliando.
Uma das dificuldades é, sem dúvidas, definir exatamente o que é classe média. O critério econômico é bastante falho, propositalmente amplo, indicando renda per capita entre R$300,00 e R$ 1.000,00. Outros critérios levam em consideração a posse de itens como automóvel, contratação de serviços como empregada doméstica e grau de instrução. Ainda assim, os resultados dão margem a subdivisões como classe média alta, média e baixa.
A grande sacada é perceber que a classe média não se define pela questão socioeconômica, mas por um corte ideológico. A classe média, economicamente, tem posses – e faz questão de mostrá-las – e aspira a status. Seus horizontes constituem-se em dois paradigmas obrigatórios: diferenciar-se da classe baixa (horror a pobre!) e sonhar em ser rico.
Assim, constrói sua ideologia baseada na defesa intransigente do direito à propriedade que, segundo eles, foi adquirida com muito trabalho, esforço e mérito. Daí qualquer ataque a seu poder de compra é um absurdo sem tamanho. A conquista das classes mais baixas nunca será considerada como válida, pois não obedece a esses critérios. Sempre haverá a denúncia de auxílios e benefícios que são uma “trapaça social” em sua visão.
É uma proteção a seu próprio espaço. A classe média tem horror a que emergentes cheguem a ocupar uma mesma posição que a sua. Denunciam a falta de mérito e de esforço, ainda que defendam veementemente – e busquem utilizar – todo e qualquer sistema de benefício a que façam jus. Não é raro que usem firulas jurídicas para que as mulheres possam receber pensões de avôs militares ou serventuários da Justiça. Mas aí não é auxílio, aí não é preguiça.
Bolsa-família é para o pobre preguiçoso viver às custas de quem paga impostos. Pensões e outros benefícios são direitos de uma vida inteira de trabalho repassados justamente aos herdeiros. Isso ocorre porque basicamente a classe média estabelece o conceito de “família” como a base da sociedade. Não da forma ampla como você entendeu, leitor, com apoio à união familiar, garantias e direitos a uma vida digna; mas sim como célula unitária, sua própria família, que deve ser defendida contra os ataques de outras “famílias”. Esse conceito diz respeito apenas aos direitos que aquelas próprias pessoas têm, independentemente de qualquer direito que venha a beneficiar a outros que não se encaixam nesse modelo.
De fato, a classe média paga muitos impostos. A base tributária do país é extremamente discrepante e atinge em cheio a famigerada classe média. A reação contra isso é que assusta: a classe média volta-se sempre contra os pobres – seu inimigo natural – e a qualquer benefício que possa lhes ser concedido. Não percebem que a base de cobrança é injusta pois não atinge os ricos e as grandes fortunas como deveria atingir; que são esses os que mais conseguem vantagens e deduções na hora de pagar seus impostos.
Mas a classe média jamais volta suas armas contra os ricos. Afinal, ser rico é o objetivo, busca-se a todo momento o ingresso mágico para este seleto clube. Um grupo que pode desdenhar do país, sentir-se europeu em solo tupiniquim, que não tem preocupações financeiras com prestações e que dá de ombros à situação econômica que não lhes atinge.
O pior é perceber que os ricos brasileiros – falo dos empresários, detentores dos meios de produção – têm um sério receio com relação a políticas por demais conservadoras. Um governo que se decida verdadeiramente capitalista põe a perder todas as suas fortunas, pelo fim dos inúmeros incentivos, benefícios e financiamentos que o governo oferece às suas empresas. O capitalista no Brasil não sobrevive sem a providencial ajuda do governo.
Enquanto isso, a classe média atira. Qualquer crime contra a propriedade – ainda que de pouco valor – é inadmissível. A vida do miserável vale bem menos que um iPhone. Cotas são uma afronta ao dinheiro gasto na educação particular de seus filhos. Os aeroportos viraram rodoviárias onde convivem com emergentes da classe C, apadrinhados do PT.
Usam os exemplos de exceção que conhecem da própria família – “meu avô era pobre e nunca precisou de bolsa, ele trabalhou” – ou alguns outros notórios para demonstrar o absurdo da concessão de benefícios aos menos favorecidos. Esses são tidos como incompetentes e possuem uma mácula inapagável no seu caminho. O que não entendo é porque a classe média não tem a mesma frustração: afinal, se há oportunidade para todos, por que não se tornaram bilionários como Bill Gates, Steve Jobs ou Mark Zuckerberg? Todos vêm da classe média e trabalharam duro… Alguns nem terminaram suas faculdades. Aí a classe média não se vê como fracassada.
O que espanta é ser uma classe escolarizada, apesar de não necessariamente culta e assume, de maneira tosca, o discurso mais conservador possível. Só lhes interessa a proteção draconiana de suas conquistas, impedindo qualquer avanço social. Culpam o PT por qualquer coisa e adotam a defesa de estados totalitários e discursos fascistas. Diante de sua posição, o PT até parece esquerda.
E isso torna difícil a discussão política, o conjunto de críticas que devem ser feitas ao governo Lula/Dilma, sem precisar sugerir que a solução esteja no PSDB, DEM ou PSB. Essa dicotomia criada é falaciosa e só proporciona o crescimento do discurso do ódio e do revanchismo.
Sim, a classe média sofre. Sofre de terríveis males de consciência, de problemas de personalidade e de coragem. Falta-lhes coragem para romper com uma ideologia atávica e cobrar sim direitos – a que fazem jus! – do Poder Público. Inverter a lógica de cobrar menos direitos aos outros. Precisamos de uma sociedade em que se tenha a exatidão de onde está o problema. E está longe de ser o pobre ascendendo socialmente a uma vida mais ou menos digna.
As marchas andam sem sentido, sem direção e sem juízo. Que a classe média descubra que “família” é um conceito que vai além da sua própria. Que a propriedade é um direito para mais de uma classe. E que toda a sociedade é composta de seres humanos que merecem respeito e uma vida digna. Ainda que não participem de seu clube de compras.
Fonte: Blog Transversos via blog Direita, Volver!
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