domingo, 17 de abril de 2011

Orelhões: aparelhos em extinção

Do Tribuna do Norte



Difícil afirmar quem abandou o outro primeiro. Se foram as pessoas, que, atraídas pelas facilidades do celular, deixaram de lado os orelhões. Ou se os aparelhos, que quase sempre quebrados e sem a devida manutenção, afastaram seus usuários. O mais provável é que a crise nesse relacionamento seja um somatório dos dois fatores e a reaproximação hoje é quase impossível.

O cidadão utiliza cada vez menos os telefones públicos espalhados pela cidade e quando precisa geralmente não encontra um funcionando. De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), não há nenhuma autorização para redução do número de cabines telefônicas, mas na prática a reportagem da TRIBUNA DO NORTE conferiu que o processo já vem ocorrendo. Os números deixam claro: a equipe da TN conferiu na última semana 11 orelhões instalados pelas calçadas da avenida Café Filho, beira-mar das praias do Meio e dos Artistas, e constatou in loco que apenas três deles estavam funcionando. O problema não se resume a áreas turísticas. Na avenida Itapetinga, conjunto Santarém, foram percorridos outros 13 aparelhos, dos quais apenas sete funcionavam.

A empresa responsável pela instalação e manutenção dos orelhões, a OI, nega que haja qualquer política de abandono dos aparelhos, oficialmente chamados de Telefones de Uso Público (TUPs). De acordo com informações da Assessoria de Comunicação, “a instalação de orelhões segue padrões e normas exigidas pela Anatel, que levam em consideração fatores como densidade populacional e  distancia entre os equipamentos. Por isso, a retirada não pode ocorrer inadvertidamente”.

Não é o que afirmam os populares. No Alecrim, vendedores ambulantes como Francisca Alves dos Santos dizem que o desinteresse em manter os aparelhos é explícito. Muitas vezes, relatam, quando não surgem reclamações exigindo o conserto de determinado telefone, técnicos da companhia simplesmente ignoram os problemas, ou até mesmo retiram a estrutura do local.

Ao lado de uma antiga loja de telefonia, na Presidente Bandeira (“avenida 2”) com a rua dos Canindés (“avenida 6”), dos três orelhões existentes anteriormente, apenas um se mantém. Porém o próprio gerente da Anatel, Lívio Peixoto, explica que as determinações legais dizem respeito à localização dos aparelhos, não à quantidade. O costume de instalar vários orelhões em único ponto, nas áreas mais movimentadas, atendia mais à demanda, do que a obrigações contratuais.

As informações da OI são de que os reparos do orelhões são efetuados pela equipe no próprio local da cabine e, “nos casos em que o aparelho não presta mais, em função de um grandioso vandalismo, é enviado para a sucata”. No início de 2011, a média foi de mais de 2 mil aparelhos danificados por mês, o equivalente a 12,5% dos 18 mil espalhados pelo Rio Grande do Norte. Em torno de 25 “campânulas” são destruídas mensalmente no estado e os “itens monofone e leitora de cartões” respondem por aproximadamente 90% dos problemas gerais. Segundo o comunicado divulgado pela concessionária, a “expansão da telefonia móvel, em substituição à fixa, é uma tendência mundial, mas o telefone público continua desempenhando um papel importante para muitos usuários. A prova disto é que a receita da Oi com telefonia pública somou R$ 522 milhões em 2010”.

Cidadãos reclamam dos problemas

A vendedora ambulante Francisca Alves dos Santos, que trabalha em um carrinho de lanches na Praia do Meio, recorda com saudades os tempos áureos dos orelhões. “Naquela época vendia até 40 cartões com ligações por dia, hoje mal vendo um ou dois”, compara. Apesar da adoção dos celulares, ela atribui a maior parte da queda no número de usuários à falta de manutenção dos aparelhos.

Aqui perto nenhum funciona. Tem gente que compra o cartão e depois vem tentar devolver, porque não consegue ligar de lugar nenhum”, lamenta a comerciante. Em sua banca, os cartões com 20 chamadas são vendidos a R$ 4,00 e os de R$ 60 a R$ 10,00. Para ela, se os aparelhos funcionassem, a demanda seria bem maior. “Hoje só vendo praticamente para quem está nos hotéis, porque lá dentro existem orelhões que funcionam”, observa.

O guardador de carros , Fernando da Costa revela que muitos turistas que passam pela cidade reclamam e criticam a situação dos orelhões da capital potiguar. Na avenida, há alguns sem os fones, outros com os teclados quebrados, muitos enferrujados e até mesmo a estrutura de fibra sem o aparelho dentro. “Ou o pessoal arranja um celular, ou fica sem falar com ninguém”, resume o flanelinha. Na zona Norte de Natal, a reclamação é a demora no conserto dos aparelhos.

Anatel pretende concluir diagnóstico até o final do ano

O gerente da Anatel para o Rio Grande do Norte, Lívio Peixoto, afirmou que a agência reguladora tem conhecimento dos problemas envolvendo a manutenção dos orelhões. Ele não soube precisar o percentual, mas disse que os fiscais registraram um “alto índice de problemas” nos telefones verificados em 2010, nos municípios de Messias Targino, Montanhas, Pureza e Tangará.

A análise começou a ser feita em cidades do interior devido à dependência maior da população desses municípios em relação aos orelhões. Este ano as fiscalizações vão continuar em outras regiões do estado e também será produzida uma amostra com relação aos aparelhos da capital. Os dados levantados serão reunidos e, até o final do ano, podem se desdobrar na publicação de autos de infração, resultando em multas para a concessionária.

De acordo com Lívio Peixoto, a própria empresa responsável pelo serviço possui um sistema automatizado que aponta os problemas nos telefones de uso público (TUPs), antes mesmo de as reclamações serem oficializadas. Quando há solicitação do cidadão para o conserto do aparelho, o prazo é de 24 horas para que a OI sane o problema. “Inclusive isso deve ser avaliado nas fiscalizações ao longo do ano”, confirmou Lívio Peixoto.

Os números trazidos pelos fiscais (são apenas sete para todo o Rio Grande do Norte) serão somados aos requisitados à companhia e irão embasar o diagnóstico geral sobre o atendimento das exigências previstas no Plano Geral de Metas para Universalização (PGMU). Hoje está em vigor a segunda edição do plano e uma terceira vem sendo concluída.

De acordo com as atuais regras, é preciso haver uma distribuição dos aparelhos de forma que, na zona urbana de cidades como Natal, nenhuma pessoa seja obrigado a se deslocar mais de 300 metros para encontrar uma cabine. Outra exigência é que todas as comunidades com mais de 100 habitantes possuam, pelo menos, um orelhão à disposição. “Essas duas regras geralmente têm sido observadas”, analisa o gerente da Anatel.

Lívio Peixoto afirma que não há tendência em se permitir a redução do número de aparelhos. Ele lembra que os orelhões ainda são fundamentais na comunicação entre as pessoas e que, com o grande número de celulares pré-pagos no País, com taxas ainda muito caras de uso, é comum as pessoas utilizarem os telefones móveis para receber chamadas e os orelhões para efetuarem.

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