sábado, 7 de fevereiro de 2015

[Poesia] O Donzelo Azarado

Programa Na Aba do Totoró



O Donzelo Azarado
De Léo Medeiros

Todo curpado sou eu
De tá no mundo sozim
Pois rejeitei os carim
Da fia de Amadeu
Ela jogô praga neu
Com’a sinatura do cão
E eu já fiz oração
Da garganta ficar rouca
Mais num tem uma cabôca
Que quera meu coração.

Vivo largado sem rumo
Sem carinho de muié
Ando num bom xevolé
Bebo, mas num masco fumo
Toda noite me prefumo
Qui inté pareço um jardim
Vô pro forró de Crispim
Bonito feito um pavão
Mode chamar atenção
Mas ninguém olha pra mim.

Pois inté em cabaré
As dama num quere eu
Eu gasto o dinheiro meu
E num arrumo muié
Sou iguazin um Mané
Nunca vi tão mole assim
Pago rum, uísque e gim
Pras quengas no lupanar
Mas quando falo em amar
As pragas fogem de mim.

Me pregunto azucrinado
Levantando a mão pro céu
Me responda pai fiel
Pruquê sou tão azarado?
Pois num sô malamanhado
Nem ando cum confusão
Suprico, faço oração
Que inté o meu quexo treme
Mais num se achega uma feme
Pra temperá meu fêjão.

Simpatia eu fiz seu moço
Pra mais de mil e seiscenta
Tumei banho de água benta
Misturado cum sá grosso
Já carreguei no pescoço
Terço de reza e ruzaro
Fiz um tratamento caro
Cum Zefinha do xangô
Mas num inxergo um amor
Botando neu um reparo.

Devido à sorte cinzenta
Pra mode me agazaiá
Inventei de me ajuntá
Cum Roxa minha jumenta
Oh que paixão violenta
Inté que’u tava cum sorte
Mas bateram no meu pote
A água se derramou
E a peste mi trocô
Por um jumento de lote.

Quando Roxa me laigô
Sintí um baque profundo
Só num parti desse mundo
Proque mamãe num dexô.
Mais vontade num fartô
Deu batê a caçoleta
Inda peguei na bereta
Mode fazê a desgraça
Mas ela gritô num faça
Num dê gosto pro capeta.

Pinotou no meu pescoço
Derribô na hora a arma
E me disse tenha carma
Acabe cum esse avoroço.
Pegô e butô no bôso
A bereta carregada
Vendeu a minha ispigarda
Mode eu num fazê bestêra
Foi na rua e fez a fêra
Cum apuro da marvada.

A dispois do acunticido
Perdi o gosto da vida
Num provava da cumida
Só Vivia ismuricido
Cum coipo todo duido
Sofreno disilusão
E mamãe cum devoção
Rezava de noite e dia
E eu naquela agonia
Enxergano assombração.

Mamãe querida ficou
De olho no meu vivê
Pra num dexá eu morrê
Todo tempo vigiou
O veneno ela guardou
Peixeira e corda tombém
Trancado como um refém
Passei dois ano cumpreto
Sem vê de longe ou de perto
Muié, jumenta ou argúem.

Agradeço a mamãe bela
Pro tê chegado na hora
A Deus e Nossa Sinhora
Que dero viveza a ela
Vou siguino sem donzela
Mais num dêxo de lutar
Inda acabo cum azar
Perseguidor do meu ser
Que ai de aparecer
Aiguém pr’eu abufelar.

Tenho fé de ainda achar
Nesse mundo uma donzela
Pode ser magra, banguela
Seja manca no andar,
Gagueje quando falar
Falte um pedaço da venta
Tenha a boca fedorenta
E o bucho incalombado
Que é melhor que ser chifrado
Por mulesta de jumenta.

Autor: Léo Medeiros,
Sobral, 30 de janeiro de 2003.
Esse poema está presente no CD

Minha Terra Meu Sertão.

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